Tete Tobias


Caucaia. “Meu sertão tem futebol / tem samba tem farinhada / Leilão, reizado e novena / mas nada disso me agrada / Meu fraco é cavalo e gado / cantoria e vaquejada”. Inegavelmente, a arte de derrubar o boi na faixa é uma das tradições mais fortes da cultura popular nordestina e, claro, da cearense. Como ilustram os versos do poeta aboiador Pedro Bandeira, cantados pelo inesquecível Luiz Gonzaga, os fins de semana de vaquejada são o “fraco” de homens e mulheres, sejam eles vaqueiros, amantes do esporte ou das festas de forró — ritmo obrigatório na programação de qualquer evento do gênero.

E quando essa tradição é passada de pai para filho e combinada com sucesso, o “fraco” é sinônimo de força. É o caso do vaqueiro Francisco Tobias da Silva, 53 anos, conhecido como Tetê. Paraibano, natural do município de São Bento, começou a correr vaquejadas tarde, aos 26 anos. Antes, trabalhava na roça com o pai. Aprendeu vendo os outros competir.

Três meses depois, ganhou um carro como primeiro prêmio e, desde então, vive somente do esporte. Hoje, o filho Renato Rodrigues da Silva, 20 anos, divide o tempo entre as aulas do curso de Direito e as vaquejadas de fim de semana. O irmão Renan, 14 anos, segue o mesmo caminho, apesar de ainda estudar no 9º ano.

Há dez anos, Tetê mudou-se para o Ceará, a convite do patrão Emanuel Gurgel, para representar o Circuito de Vaquejada Matruz com Leite em todo o Brasil. Antes, só havia tido quatro patrões. A relação de fidelidade com “Manel” e o empresário Adolfo Sampaio, também patrão do paraibano, o mantém morando hoje na cidade de Caucaia, no Haras Mastruz com Leite. Residência fixa, aliás, existe de segunda a quinta ou sexta-feira. “Todo fim de semana, tô em vaquejada”, assume, acrescentando que as viagens são no Brasil todo.

A influência do pai fez com que Renato aprendesse a montar aos 2 anos de idade. Começou a correr vaquejadas aos 6 e a disputar competições oficiais aos 11. O tino para correr atrás do boi parece vir do sangue: na opinião de Tetê, Renato é hoje melhor do que o pai, mesmo quando este era mais jovem. Questionado sobre uma possível escolha entre o futuro como advogado ou como vaqueiro, Renato não titubeia: “Dá para fazer as duas coisas.

Na vaquejada, tem juiz, advogado, médico...”. O motivo de tamanha certeza está no presente. “Tudo o que minha família construiu veio da vaquejada. Pago minha faculdade, compro minhas coisas com o dinheiro das competições”.

Enquanto Renato viaja o Brasil ao lado do pai, Renan só corre em campeonatos regionais, por causa dos estudos. Mesmo assim, o filho mais novo calcula já ter ganho R$ 10 mil em prêmios, além de uma moto, desde que começou na categoria mirim, aos 6 anos. Hoje, compete na categoria amador e disputa de três a quatro torneios por mês.

Prêmios

A habilidade de Tetê para a vaquejada pode ser traduzida em números. Ele diz já ter ganho, sozinho, 26 carros em prêmios nos 27 anos de esporte. Perdeu a conta das centenas de provas que já ganhou, bem como da premiação em dinheiro e dos veículos divididos com outros rivais, coisa que não faz mais. Há alguns anos, não aceita rachar premiação: prefere disputar as rodadas até sair um campeão. Por isso, os adversários chegam a se juntar para derrotá-lo nas provas.

Para manter a carreira em alta, os quatro hectares do haras abrigam uma estrutura que inclui dez cavalos de competição, oito bois para treinos, caminhão com cozinha e apartamento, além de tratadores, veterinário e motorista. Somente os custos com cavalos e o caminhão superam os R$ 300 mil, financiados pelo proprietário do haras.
PROPOSTA DE INOVAÇÃO

Entidade defende mudanças nas regras
Fortaleza. Tradição cultural, premiações milionárias, dezenas de eventos ao longo do ano. Com tudo isso, é preciso mudanças na vaquejada? A resposta é sim, pelo menos para o presidente da Associação dos Vaqueiros Amadores do Ceará (Avace), Leôncio Barreto, e para o vaqueiro Francisco Tobias da Silva, o Tetê.

O primeiro formulou a proposta de “uma nova vaquejada”, como ele mesmo chama. A idéia é preestabelecer um número de participantes por competição e mudar o regulamento das mesmas a fim de encurtar a duração dos eventos para atrair mais público, viabilizar a cobertura pela televisão e possibilitar menos gastos financeiros.

Atualmente, conforme Barreto, não há limite de inscritos para as vaquejadas. A eliminação dos participantes segue por várias rodadas até que se conheçam os vencedores. Apenas um juiz avalia o desempenho do vaqueiro, que precisa apenas derrubar o boi na faixa pintada e receber nota 10. “Já houve vaquejada que terminou na segunda-feira à tarde. Assim, é necessária uma maior quantidade de bois”, ilustra ele.

Pelo método novo, haveria limite de inscrições e apenas duas fases da competição. Na eliminatória, todos os vaqueiros disputariam um máximo de 40 vagas para a final. A segunda etapa já decidiria a classificação do torneio. Para isso, os participantes seriam avaliados por três juízes, que atribuiriam pontuação de 0 a 10. A avaliação levaria em conta toda a performance, incluindo aspectos como técnica, velocidade, segurança e defesa do animal.

Com as novas regras, o presidente da Avace destaca que os custos com aluguel de bois diminuiriam 25%. Ele sugere uma classificação regional de vaqueiros, feita com base nas competições que já existem, de forma a se escolher o campeão do Estado no fim do ano. Assim, haveria valorização também dos cavalos campeões.

Falta de apoio

Já Tetê avalia que a vaquejada caiu muito no Ceará e cita, como exemplo, o pequeno número de campeonatos em comparação a outros Estados. Ele acredita que a mudança necessária é mais apoio financeiro de políticos e empresários. Cita como justificativa para mais recursos, a carência de bois de competição por aqui, o que obriga os donos de parques a trazerem animais de outros Estados. “Há oito anos, o Ceará era o Estado mais forte em vaquejada. Hoje, caiu muito. A vaquejada precisa de apoio, pois gera muitos empregos”, reivindica.   

Fonte:Diario do Nordeste